domingo, 7 de agosto de 2011
E o Burro sou eu???
Numa manhã na Sala de Tratamentos um utente abordou-me enquanto lhe fazia um penso.
Utente: "Sra enfermeira quando caminho muito começa-me a doer aqui a baixo das costelas…"
Eu: "Oh homem isso é dor de burro…"
(silencio por vários segundos)
Utente: “Oh Sra enfermeira vai-me desculpar mas tá-me a chamar nomes???"
Às vezes acho que vim de outro mundo..
terça-feira, 12 de abril de 2011
Uma mulher chamada guitarra
Um dia, casualmente, eu disse a um amigo que a guitarra, ou violão, era "a música em forma de mulher". A frase o encantou e ele a andou espalhando como se ela constituísse o que os franceses chamam un mot d'esprit. Pesa-me ponderar que ela não quer ser nada disso; é, melhor, a pura verdade dos fatos.
O violão é não só a música (com todas as suas possibilidades orquestrais latentes) em forma de mulher, como, de todos os instrumentos musicais que se inspiram na forma feminina - viola, violino, bandolim, violoncelo, contrabaixo - o único que representa a mulher ideal: nem grande, nem pequena; de pescoço alongado, ombros redondos e suaves, cintura fina e ancas plenas; cultivada mas sem jactância; relutante em exibir-se, a não ser pela mão daquele a quem ama; atenta e obediente ao seu amado, mas sem perda de caráter e dignidade; e, na intimidade, terna, sábia e apaixonada. Há mulheres-violino, mulheres-violoncelo e até mulheres- contrabaixo.
Mas como recusam-se a estabelecer aquela íntima relação que o violão oferece; como negam-se a se deixar cantar preferindo tornar-se objeto de solos ou partes orquestrais; como respondem mal ao contato dos dedos para se deixar vibrar, em beneficio de agentes excitantes como arcos e palhetas, serão sempre preteridas, no final, pelas mulheres-violão, que um homem pode, sempre que quer, ter carinhosamente em seus braços e com ela passar horas de maravilhoso isolamento, sem necessidade, seja de tê-la em posições pouco cristãs, como acontece com os violoncelos, seja de estar obrigatoriamente de pé diante delas, como se dá com os contrabaixos.
Mesmo uma mulher-bandolim (vale dizer: um bandolim), se não encontrar um Jacob pela frente, está roubada. Sua voz é por demais estrídula para que se a suporte além de meia hora. E é nisso que a guitarra, ou violão (vale dizer: a mulher-violão), leva todas as vantagens. Nas mãos de um Segovia, de um Barrios, de um Sanz de la Mazza, de um Bonfá, de um Baden Powell, pode brilhar tão bem em sociedade quanto um violino nas mãos de um Oistrakh ou um violoncelo nas mãos de um Casals. Enquanto que aqueles instrumentos dificilmente poderão atingir a pungência ou a bossa peculiares que um violão pode ter, quer tocado canhestramente por um Jayme Ovalle ou um Manuel Bandeira, quer "passado na cara" por um João Gilberto ou mesmo o crioulo Zé-com-Fome, da Favela do Esqueleto.
Divino, delicioso instrumento que se casa tão bem com o amor e tudo o que, nos instantes mais belos da natureza, induz ao maravilhoso abandono! E não é à toa que um dos seus mais antigos ascendentes se chama viola d'amore, como a prenunciar o doce fenômeno de tantos corações diariamente feridos pelo melodioso acento de suas cordas... Até na maneira de ser tocado - contra o peito - lembra a mulher que se aninha nos braços do seu amado e, sem dizer-lhe nada, parece suplicar com beijos e carinhos que ele a tome toda, faça-a vibrar no mais fundo de si mesma, e a ame acima de tudo, pois do contrário ela não poderá ser nunca totalmente sua.
Ponha-se num céu alto uma Lua tranqüila. Pede ela um contrabaixo? Nunca! Um violoncelo? Talvez, mas só se por trás dele houvesse um Casals. Um bandolim? Nem por sombra! Um bandolim, com seu tremolos, lhe perturbaria o luminoso êxtase. E o que pede então (direis) uma Lua tranqüila num céu alto? E eu vos responderei: um violão. Pois dentre os instrumentos musicais criados pela mão do homem, só o violão é capaz de ouvir e de entender a Lua.
http://www.viniciusdemoraes.com.br/site/article.php3?id_article=700
O violão é não só a música (com todas as suas possibilidades orquestrais latentes) em forma de mulher, como, de todos os instrumentos musicais que se inspiram na forma feminina - viola, violino, bandolim, violoncelo, contrabaixo - o único que representa a mulher ideal: nem grande, nem pequena; de pescoço alongado, ombros redondos e suaves, cintura fina e ancas plenas; cultivada mas sem jactância; relutante em exibir-se, a não ser pela mão daquele a quem ama; atenta e obediente ao seu amado, mas sem perda de caráter e dignidade; e, na intimidade, terna, sábia e apaixonada. Há mulheres-violino, mulheres-violoncelo e até mulheres- contrabaixo.
Mas como recusam-se a estabelecer aquela íntima relação que o violão oferece; como negam-se a se deixar cantar preferindo tornar-se objeto de solos ou partes orquestrais; como respondem mal ao contato dos dedos para se deixar vibrar, em beneficio de agentes excitantes como arcos e palhetas, serão sempre preteridas, no final, pelas mulheres-violão, que um homem pode, sempre que quer, ter carinhosamente em seus braços e com ela passar horas de maravilhoso isolamento, sem necessidade, seja de tê-la em posições pouco cristãs, como acontece com os violoncelos, seja de estar obrigatoriamente de pé diante delas, como se dá com os contrabaixos.
Mesmo uma mulher-bandolim (vale dizer: um bandolim), se não encontrar um Jacob pela frente, está roubada. Sua voz é por demais estrídula para que se a suporte além de meia hora. E é nisso que a guitarra, ou violão (vale dizer: a mulher-violão), leva todas as vantagens. Nas mãos de um Segovia, de um Barrios, de um Sanz de la Mazza, de um Bonfá, de um Baden Powell, pode brilhar tão bem em sociedade quanto um violino nas mãos de um Oistrakh ou um violoncelo nas mãos de um Casals. Enquanto que aqueles instrumentos dificilmente poderão atingir a pungência ou a bossa peculiares que um violão pode ter, quer tocado canhestramente por um Jayme Ovalle ou um Manuel Bandeira, quer "passado na cara" por um João Gilberto ou mesmo o crioulo Zé-com-Fome, da Favela do Esqueleto.
Divino, delicioso instrumento que se casa tão bem com o amor e tudo o que, nos instantes mais belos da natureza, induz ao maravilhoso abandono! E não é à toa que um dos seus mais antigos ascendentes se chama viola d'amore, como a prenunciar o doce fenômeno de tantos corações diariamente feridos pelo melodioso acento de suas cordas... Até na maneira de ser tocado - contra o peito - lembra a mulher que se aninha nos braços do seu amado e, sem dizer-lhe nada, parece suplicar com beijos e carinhos que ele a tome toda, faça-a vibrar no mais fundo de si mesma, e a ame acima de tudo, pois do contrário ela não poderá ser nunca totalmente sua.
Ponha-se num céu alto uma Lua tranqüila. Pede ela um contrabaixo? Nunca! Um violoncelo? Talvez, mas só se por trás dele houvesse um Casals. Um bandolim? Nem por sombra! Um bandolim, com seu tremolos, lhe perturbaria o luminoso êxtase. E o que pede então (direis) uma Lua tranqüila num céu alto? E eu vos responderei: um violão. Pois dentre os instrumentos musicais criados pela mão do homem, só o violão é capaz de ouvir e de entender a Lua.
http://www.viniciusdemoraes.com.br/site/article.php3?id_article=700
segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011
"Meu amor, escrevo-te para te dizer que deixaste cá os teus brincos. Estão no quarto, do lado onde pões sempre as tuas coisas e te vais esquecendo delas à medida que sais com aquela pressa. Sempre com pressa. Meu amor, tenho ciúmes desse teu emprego, dessa tua vida, porque ela me tira de ti mais que nenhuma outra coisa. Gostava que desistisses desse teu emprego meu amo mais lindo, para eu desistir também do meu e assumirmos que a nossa profissão é amarmo-nos como se fossemos uma empresa dessas que para aí andam a fechar e a despedir gente.
Em vez de pegarmos ao emprego, devíamos pegar ao amor. Numa fase inicial amávamo-nos das 9 às 5. E depois daí, saímos fora do expediente e dedicávamo-nos às horas extraordinárias que desde sempre foram mais lucrativas. Meu amor, são tão extraordinárias as horas que passamos juntos que por vezes penso que deveríamos abandonar as de serviço. Nunca mais das 9 às 5, meu amor. Nunca mais meu amor só meu. Só extraordinárias é que faremos. Meu amor, estivemos tanto tempo juntos desta vez que quero que saibas que todo eu cheiro a ti. O meu quarto cheira a ti. A minha cama, a minha roupa, esta carta, o teu cheiro está em toda a parte como se fosse um pólen poderoso que anuncia a primavera. Meu amor, nunca mais me saias desta cama, vem para aqui de novo, estávamos tão bem a ouvir rádio, tão quentes aqui dentro, que quando saíste juro que foi igualito a teres aberto uma janela do carro naqueles dias de geada em Bragança. Meu amor, não me voltes a sair assim da cama. Esquece lá o emprego, a vida lá fora, o que dizem os jornais, porque nada é mais importante do que este quente da cama, ouvir a vizinha do lado a cantar Roberto Carlos sem que esta nos ouça a rir, os carros a passarem na rua com velocidades de arrepiar um qualquer radar.
Meu amor, não me voltes a sair da cama tão depressa, porque um dia destes agarro-me a ti e juro que vou encavalitado em ti até esse maldito emprego, de pijama e tudo, só para teres vergonha e não me voltares a sair desta cama."
"Pegar ao Amor"- F. Alvim
Ao primeiro dia dos namorados juntos e realmente aborrecida por teres que sair todas as manhãs e deixares-me naquela cama enorme e sozinha.. Tirando a parte dos brincos.. :p
sábado, 29 de janeiro de 2011
Fazer das tripas coração...
"AO LONGO da minha vida, passei cerca de 90 dias, repartidos por ocasiões distintas e motivos diversos, em diferentes hospitais. Todos esses momentos foram dos mais difíceis que vivi e se ando por aqui e com saúde, devo-o aos médicos que se ocuparam de mim e às enfermeiras e enfermeiros que me trataram.
A companhia, o interesse, a competência dos profissionais de enfermagem marcaram decisivamente aqueles momentos, porque são eles que estão presentes nos piores instantes.
Quando nos preparam para uma operação, quando no recobro nos recebem de volta, quando partilham os momentos terminais dos nossos entes queridos, são os profissionais de enfermagem que valem a quem precisa, seja para alertar os médicos para um determinado sintoma, seja para dar paz e dignidade aos momentos finais duma vida.
Também são eles, hoje licenciados, quem melhor sabe dar uma injecção, encontrar uma veia, entubar uma traqueia, mudar um penso, limpar uma ferida, imobilizar uma coluna, defender uma fractura exposta.
Por tudo isto, nunca esperei vê-los na rua, a pedirem que lhes façam justiça e que não lhes fixem o ordenado por muitas 24 horas de serviço, muitos sete dias por semana, em cerca de 900 euros por mês. Não é justo tratar assim quem faz das tripas, coração!"
Joaquim Letria, in 24 horas (5/02/2010
sábado, 9 de janeiro de 2010
Á Viriatuna..
Entrei na tuna no meu segundo semestre de curso. Decidi entrar numa aula de psicologia da saúde que tinhamos em conjunto com uma turma do 4º ano.. Depois de me encher de coragem lá perguntei: "olha como é que se entra pra tuna?" O mais obvio teria sido responder "entras pela porta" mas não, lá me responderam com entusiasmo que os ensaios eram ás 2as e ás 5as. Nesse dia á noite lá fomos nós ao ensaio: encostamo-nos a uma mesa da sala 5 enquanto viamos toda a gente a carregar os instrumentos para dentro da sala (sim porque na altura ficavam espalhados pelas casas dos tunos porque não havia sala de ensaio). Assistimos ás brincadeiras, ás palhaçadas com um sorriso tímido.. Não sabiamos muito bem o que achar daquilo tudo. Como em tudo na vida "Primeiro estranha-se e depois entranha-se.."
A minha primeira actuação foi no 4U, (houve quem até fosse de pijama para a dita actuação) e lembro-me perfeitamente do nervoso miudinho por não saber as vozes ou mesmo as letras (nem sabia que o "verde gaio" existia).. A partir desse dia foi um acumular de experiências que só vieram enriquecer a minha vivência estudantil. Convivios, amizades, copos, guitarradas.. Coisas que até então sabia que existiam mas pertenciam a um mundo a parte do meu.
Criaram-se amizades, ultrapassaram-se barreiras, crescemos e vimos os outros á nossa volta crescer. Criei uma segunda família que sempre me acompanhou incondicionalmente em todos os bons e maus momentos da minha vida desde então. Viram-me rir como uma desalmada até me doer a barriga, seguraram-me no cabelo kando afinal as dores de barriga não era por me estar a rir.. Choraram comigo quando a vida me pregou partidas, encorajaram-me quando saía do palco arrasada e num pranto porque me enganava nas coreografias. Disseram-me que o que importava era não parar de sorrir.. E eu acreditei..
Olhando para trás vejo como este grupo de amigos me fez crescer. Assumir responsabilidades ás quais pensei nunca conseguir dar resposta e ultrapassar as dificuldades que pensei que me deitariam por terra. Fez-me perceber que há tempo para tudo e que quando nos empenhamos todas as pequenas vitórias sabem um milhão de vezes melhor. Pisar o palco com aquelas pessoas faz correr a adrenalina que me faz sentir viva. Os minutos que antecedem o abrir a cortina, o C7, a cumplicidade entre nós, a troca de olhares, e sem esquecer as respostas ás perguntas:
"o que é que nós somos?
o que é que vamos fazer?
e se as coisas não correrem bem o que é que dizemos?
ou então?
mas as coisas não vão correr mal porque nós somos????????? VVVVVIIIIRRRRRIIIIAAAATTTTTUUUNNNNNAAAAAA"
Obrigado a todos os que fazem parte desse grande capítulo da minha vida. E aos que cá ficam quando eu não puder estar tão presente continuem a cultivar o espírito que me foi incutido e que tento transmitir aos mais novos. Porque vocês são o futuro.. Como eu em tempos também o fui..
Estrela da Tarde
Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca, tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste na tarde tal rosa tardia
Quando nós nos olhámos tardámos no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos unidos ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia
Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Foi a noite mais bela de todas as noites que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram
Foram noites e noites que numa só noite nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto se amarem, vivendo morreram
Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida de mágoa e de espanto
Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem se quer tanto!
domingo, 11 de outubro de 2009
Subscrever:
Mensagens (Atom)